Tiro ao Alvo: Estudo do Movimento Oblíquo Mediado por um Objeto de Aprendizagem
- Diego Lippert, Daysi Oliveira e Guilherme Rudek
- 21 de set. de 2016
- 10 min de leitura
Imagine que você é um pesquisador que viveu em um mundo dominado pela Igreja Católica. A caça às bruxas e as guerras iminentes assombram as mentes dos pensadores da época. Panorama assustador, mas real no século XV na França local onde viveu Renê Descartes. Grande físico, matemático e filósofo considerado um dos maiores pensadores da história do Ocidente. Insatisfeito com a ensino daquela sociedade, buscou um pensamento voltado para a racionalidade. Com problemas de relacionamento com os pais, acreditou que a solução de seus problemas estava em participar do exército protestante como soldado mercenário de Maurício de Nassau. No entanto, a guerra não serviu apenas como um ato de rebeldia mas também como um laboratório de pesquisa experimental. Conseguiu verificar, aplicar e perceber princípios da Geometria usando um Plano ortogonal Coordenado (Plano Cartesiano “x” e “y”), traduzidos a partir da álgebra, além de várias outras contribuições para outros polos da Geometria.
Uma de suas grandes contribuições, ocorreu ao observar a utilização do movimento de balas lançadas por canhões em uma das guerras que participava. Essa capacidade de espirito científico mesmo dentro de adversidades, como uma guerra, mostra a grandiosidade de Renê como um pesquisador, ou seja, trouxe para a ciência a reflexão de analisar a realidade a partir de fatos e evidências.
Dentro dessa essência, o presente trabalho tem por objetivo realizar um estudo de investigação dos coeficientes de uma função quadrática mediada por um Objeto de Aprendizagem (OA) como uma aplicação física em lançamento de projéteis.
O público alvo é uma turma de primeiro ano do Ensino Médio de um escola pública do Estado do Rio Grande do Sul. A metodologia aplicada foi iniciada com um questionário de Pré-Teste, que tinha como intuito medir o conhecimento prévio dos educandos. Na sequência, após o estudo de tipos de laboratórios, selecionou-se o Laboratório Virtual de Aprendizagem denominado "Lançamento Oblíquo" no repositório da Universidade do Colorado. Ao final, a fim de, analisar a validade da utilização do OA escolhido, optou-se por aplicar um questionário final (pós teste) para comparar as concepções iniciais com aquelas modificadas com a realização da atividade didática.
DA PESQUISA
Segundo Gerdhardt (apud Fonseca, 2002) uma pesquisa possibilita a aproximação e o entendimento da realidade a ser investigada, como um processo permanentemente inacabado. A pesquisa científica é o resultado de um inquérito ou exame minucioso, realizado com o objetivo de resolver um problema, recorrendo a procedimentos científicos. Assim, esta pesquisa foi aplicada na forma explicativa (Gil, 2007) e descritiva, utilizando três questionários (pré-teste, teste e pós-teste). Este, muito importante para o levantamento dos dados e informações responsáveis para a análise da atividade proposta (teste) utilizando o Objeto de Aprendizado (OA).
PRÉ-TESTE
De modo geral, esse instrumento de pesquisa foi construído na forma de questionário. As questões eram voltadas ao reconhecimento do tipo de movimento físico de interesse, sua trajetória, altura máxima atingida, velocidade, local de lançamento e queda de um determinado objeto. Assim, procurou-se analisar de modo explicativo e descritivo, cada uma das questões respondidas por um grupo de dezoito alunos.
Avaliando a primeira questão do pré-teste percebeu-se que a maioria dos alunos envolvidos não consegue identificar as diferenças entre os Movimentos Uniformes e Acelerados. Para o estudo essa diferenciação é importante, pois o movimento oblíquo divide-se em dois momentos distintos que estão relacionados a velocidade inicial, um no sentido vertical e outro no horizontal. Não reconhecer isso exigirá na aplicação do teste um trabalho mais aprofundado e experimental, no que tange a interferência do ângulo que um objeto descreve ao ser lançado.
Na segunda parte dessa questão, referente à relação entre ângulo e alcance da bala, inserida no contexto histórico da II Guerra Mundial, revela-se uma tentativa por parte dos alunos de buscar compreender qual seria o ângulo ideal para o maior alcance, apenas imaginando o movimento. Pode-se pensar desse modo, porque tentaram justificar a sua escolha por meio de um desenho, encontrando ângulos de 60° (minoria) ou 40° (maioria), ambas as respostas próximas do resultado correto de 45°. Por outro lado, usaram o termo “aproximadamente”, o que requer uma maturidade em considerar soluções vindas de observação. Em suma, o retorno dos estudantes ficou dentro do esperado, pois conseguiram identificar, mesmo de maneira aproximada, que havia um determinado ângulo e ele influenciava onde o objeto iria cair.
Na questão dois, os alunos tiveram dificuldades em nomear o tipo de trajetória descrita pelo projétil, mas a grande maioria construiu, corretamente, uma parábola com concavidade voltada para baixo. Também compreenderam a ideia e a localização do ponto máximo, ou seja, identificaram o instante em que ocorre a altura máxima atingida pelo projétil. Essa relação é o vértice ou ponto de inflexão, que por sua vez, trata-se do instante em que a trajetória crescente torna-se decrescente. Tais definições matemáticas e físicas foram descritas e visualizadas pelos alunos de modo informal, ou pelo uso de desenhos ou explicando com as suas palavras. Portanto, esse tipo de atividade oportuniza ao estudante um grau de liberdade que não ocorre em uma aula tradicional.
Na questão três, trata-se dos fatores que interferem na trajetória estudada até o momento. Os alunos citaram: a velocidade inicial, a resistência do ar, o ângulo de lançamento, aceleração e força de lançamento. Isso mostra o nível de conhecimento prévio que a turma possui e a forma como concebem a ideia de movimento. Esta constatação vai em contrapartida ao que se observa em muitos exercícios de da área de física, onde é trabalhado um determinado movimento em um ambiente utópico, mas se desconsidera “n” fatores externos essenciais a situação (é o caso do atrito por exemplo). Então, isso leva o estudante a não desenvolver a habilidade de visualizar todas as variáveis envolvidas em um determinada situação real, o que não ocorreu com os indivíduos que realizaram o pré-teste.
Na questão quatro, trabalhou-se com a ideia da velocidade ter valor zero em algum ponto do movimento. Todos os alunos concordam que em nenhum instante a velocidade tem esse valor, porém destacaram que isto ocorrerá somente ao iniciar o movimento e quando o objeto retornar para o solo. A resposta correta deles, revela a percepção dos mesmos com relação ao fato da velocidade desacelerar até que se se atinja a altura máxima e depois venha a fazer o oposto devido a estar no mesmo sentido da aceleração gravitacional. Logo, essa visão facilita a compreensão do movimento, que pela sua natureza se divide em dois tipos, MRU e MRUV.
Enfim, pelas respostas apresentadas os alunos mostraram um bom conhecimento prévio, que se faz necessário ao trabalho posterior desenvolvido no teste e pós-teste.
OBJETO DE APRENDIZAGEM VISTO COMO UM LABORATÓRIO
O relato do teste abaixo tem por base a utilização de um Objeto de Aprendizagem (OA) prescrito como um Laboratório Virtual de Aprendizagem (LVA), nessa perspectiva, se faz necessário descrever a forma que estão vinculados. Assim, para a realidade do estudo realizado, entende-se que OA é “qualquer recurso digital que possa ser reutilizado para o suporte ao ensino” (WILEY, 2000, p.3).
Tal significado vem em consonância com objetivo principal de um LVA especificado por Corrêa (2001), que é o de complementar o conhecimento do estudante, por meio do reconhecimento transparente dos processos de uma atividade de ensino.
As contribuições dos autores citados revelam o quão próximo estão ambas as ideias de OA e LVA, uma vez que atravessam o que se entende por ensino, buscando um apoio na tecnologia, seja ela qual for. Portanto, o recurso utilizado é denominado como “Movimento de Projéteis”, trata-se de um amparo para o aluno participante em prol da visualização e análise dos coeficientes da função quadrática. Contudo, vai além disso, pois é uma aplicação física que só faz sentido se houver experimentação, testes e aplicações próximas da realidade do estudante.

TESTE
Para o teste foi utilizado o OA apresentado na parte da introdução do blog e que foi retratado como LVA no tópico anterior. O layout é bem criativo e possui um canhão que lança objetos que deve atingir um alvo, onde tanto o canhão quanto o alvo são móveis. Esses objetos podem ser escolhidos entre: bala de canhão, bolas de beisebol, golfe, boliche e futebol, um ser humano, um piano, um carro, etc. Há um registro visual e numérico do: alcance, altura e tempo atingidos, além do ângulo, velocidade inicial, entre outras variáveis. Por fim, pode-se oscilar também parâmetros constantes de incidência, tais como: massa, diâmetro, coeficiente de arrasto e resistência do ar.
A escolha por se trabalhar com um OA que também é um LVA, pode ser justificada nas palavras de Perrenoud (2000). Ele prescreve que “o ofício de professor deve privilegiar habilidades adicionais, coerentes com o novo papel dos professores que passa a ter a possibilidade de mobilizar novos recursos cognitivos apoiados na Tecnologia da Informação e Comunicação.” Nessa perspectiva, objetiva-se promover ao aluno uma oportunidade de se trabalhar com um situação real que foi simulada por um programa de computador, para que o mesmo desenvolva, além das habilidades previstas, outras que emergem da experimentação e uso da tecnologia.
Em relação às respostas dos alunos, houve respondentes que identificaram a independência da massa em relação ao movimento sem resistência do ar, e alunos que associaram essa dependência a existência dessa resistência, sendo que na verdade a massa independe em qualquer situação. Com a resistência do ar, somente a área de contato do projétil interferiria no movimento.
Em seguida os alunos deveriam criar uma tabela para verificar como o ângulo afeta o movimento do projétil. As questões foram as seguintes:
Questão 1:
Selecione o objeto “bala de canhão”. Selecione e mantenha uma velocidade inicial de 10 m/s. Altere o valor do ângulo para os seguintes valores: 15°, 30°, 45°, 60° e 75°, e complete a tabela abaixo.
Questão 2:
Selecione o objeto “bala de canhão”. Selecione e mantenha uma velocidade inicial de 10 m/s. Altere o valor do ângulo para os seguintes valores: 105°, 120°, 135°, 150° e 165°, e complete a tabela abaixo.
Veja a resposta de um aluno para tais questões:

Como podemos observar, o aluno conseguiu verificar que o ângulo influência no sentido do movimento. A argumentação a partir da tabela ajudou eles a identificarem que quando os números eram: positivos (entre 0° e 90°) a bala poderia variar seu alcance dependendo do ângulo e da consideração da resistência do ar, e quando negativos (entre 90° e 180°) o tiro seria dado no sentido contrário.
No momento de relacionar a velocidade inicial com o movimento do projétil obtivemos respostas como a seguinte:

Assim como esse aluno, a grande maioria, equivocadamente, relaciona a velocidade inicial com o ângulo de lançamento de maneira proporcional, isto é, quanto maior a velocidade inicial maior a altura e o ângulo. Por outro lado, alguns deles observaram por meio do OA que a velocidade inicial se relaciona com o sentido do movimento, assim como o ângulo mencionado anteriormente.
Ao serem solicitados alguns exercícios usando cálculo algébrico para determinar as raízes de uma função quadrática, apenas uma aluno desenvolveu a resolução corretamente, determinando as raízes, ponto máximo e conseguindo visualizar a situação no plano cartesiano.
Na questão posterior foi utilizada a mesma função, porém variou-se apenas o termo independente. O estudantes perceberam que a altura na qual os projéteis eram lançados mudou e usaram a representação no plano cartesiano também corretamente. Todavia, se prestaram-se a só analisar o local onde o objeto caiu, não houve relação alguma com o significado matemático e físico do termo ou coeficiente proposto.
PÓS-TESTE
O pós-teste é um instrumento composto por perguntas com o mesmo nível de dificuldade das que foram realizadas no pré-teste. Desse modo, através da comparação do desempenho obtido no pós com o pré-teste, é possível descobrir se o método utilizado foi bem-sucedido. Logicamente, existem muitos fatores externos que influenciam direta ou indiretamente nos resultados. O interesse e a dedicação por parte do aluno, o direcionamento e a compreensão de todas as atividades realizadas até o momento e se a própria estrutura do questionário final está compreensível e acessível ao estudante.
Iniciando a análise, vale ressaltar, uma pequena diferença entre o primeiro questionário e o segundo, pois este último foi aberto. Escolheu-se fazer isso para permitir mais liberdade aos alunos e devido a questão um, em específico, porque os participantes não tiveram êxito ao respondê-la. Contudo, com relação a mesma, observou-se que persiste a dificuldade, porque a maioria dos estudantes não conseguem, ainda, identificar as diferenças entre os tipos de Movimentos estudados. Em suma, os participantes utilizaram os mesmos exemplos de MRU e MRUV contidos no pré-teste, repetindo os equívocos anteriores, talvez por não conseguirem perceber a existência desses diferentes movimentos, nem na análise de situações reais e nem na experimentação realizada com OA.
A segunda questão foi a mais proveitosa de todo esse terceiro momento. As respostas apresentadas sobre o ponto de máximo foram criativas, pois a pergunta foi sobre o alcance do objeto e muitos argumentaram sobre isso vinculando essa dependência ao ângulo e, depois, relacionarem com o alcance. Portanto, os estudantes se deram conta que tais variáveis estão em função uma da outra, mesmo não descrevendo como.
Por outro lado, as duas últimas atividades não foram solucionadas por nenhum aluno. Isso ocorreu devido ao tempo de aplicação do pós-teste, pois ao realizá-lo alguns estudantes que ficaram cerca de 30 minutos a mais do que o tempo limite e conseguiram fazer somente até a segunda questão. Uma dessas duas últimas questões questionava sobre os fatores que influenciam na trajetória de um objeto a ser lançado e a outra se relacionava a interpretação matemática da situação via fórmula. Ambas exigiam uma complexidade maior de conhecimento, mas devido aos dois testes anteriores esperava-se um outro resultado. Portanto, é necessária uma revisão dessas questões sem resposta, reciclando os conceitos abordados e as reescrevendo-as de forma mais objetiva.
CONSIDERAÇÕES SOBRE AS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS
Como podemos ver no relato das atividades realizadas, os alunos reconstruíram seus aprendizados. Tiveram a oportunidade de incluir uma interpretação própria, expor uma formulação pessoal para alcançar um saber pensar mediado pelo professor e pelo objeto de aprendizagem.
Durante a realização de todas as atividades, os professores encontraram adversidades, como: computadores sem acesso a internet assim como acesso a rede de modo instável, realização das atividades em duplas já que a escola não possui computador para utilização individual e tempo de realização de apenas dois períodos de uma hora e trinta minutos para os três momentos.
Essa atividade ajuda a esclarecer que entre as qualidades do perfil do professor para o século XXI está a utilização constante em suas aulas de novas tecnologias. Percebemos que como mediadores na construção do conhecimento, é requerido de nós estudo, postura ativa de reflexão, e autoavaliação. As atividades sugeridas construíram e oportunizaram movimentos para a comunicação e para a criação de organizações do pensamento em uma na busca de novas informações para expressão de diferentes formas de participação.
Observação Importante: Para ter acesso aos questionários completos, entre em contato com os autores.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CORRÊA, Geny D.; CORRÊA, Carlos J.; SANTOS, Víctor B. O Laboratório de aprendizagem e a reconstrução do conhecimento. Congresso Brasileiro de Engenharia - COBENGE, 2001.
FONSECA, J. Metodologia da pesquisa científica. Fortaleza: UEC, 2002.
GERHARDT, Tatiana. SILVEIRA, Denise. Métodos de Pesquisa. http://www.ufrgs.br/cursopgdr/downloadsSerie/derad005.pdf
PERRENOUD, Philippe. Novas Competências para Ensinar. Porto Alegre: ARTMED, 2000.
WILEY, D. (2000) The instructional use of learning objects. Online version: available from http://reusability.org/read/. 2000. Acesso em 20/08/2016
https://phet.colorado.edu/pt_BR/simulation/legacy/projectile-motion. Acesso em 19/09/2016.
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