Arduino Virtual: Uma Experiência Online Colaborativa
- Carolina Vidor, Rafael Campos, Roger Pereira
- 22 de set. de 2016
- 8 min de leitura

A execução de atividades em laboratório é uma estratégia de ensino-aprendizagem consagrada em cursos técnicos e cursos superiores na área das Engenharias, onde o desenvolvimento de habilidades práticas é fundamental à formação do futuro profissional. A prática em laboratório pode desenvolver diversas competências e habilidade no aluno, tais quais: senso-crítico; formulação de hipóteses; capacidade dedutiva; observação; pesquisa; imaginação e criatividade; além de leitura, análise e compreensão de procedimentos [1]. Atualmente, a combinação de atividades práticas reais com o uso de laboratórios virtuais tem sido apontada como uma estratégia pedagógica eficaz e contextualizada no âmbito da educação apoiada no uso de tecnologias de aprendizagem [2, 3].
Nesse contexto, a presente discussão traz a utilização de um laboratório virtual como ferramenta de ensino-aprendizagem na disciplina de Microcontroladores de um curso Técnico em Eletroeletrônica oferecido em uma Escola Estadual de Ensino Profissional na cidade de Guaíba, região Metropolitana de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. A disciplina em questão é cursada pelos alunos durante a última etapa do curso, como o objetivo de aprender a programar sistemas gerenciados por microcontroladores. Nesta etapa, considera-se que os alunos já tenham adquirido um sólido embasamento teórico e prático no trabalho com linguagens de programação após terem cursado três semestres em programação, variando a linguagem trabalhada em cada um deles (C, Assembly e linguagem do Arduino). Além de adquirirem conhecimentos em programação, os alunos chegam na última etapa do curso com experiência consolidada em projeto, construção e análise de circuitos eletrônicos, visto que tais competências são desenvolvidas desde o início do curso técnico. Assim, a disciplina de Microcontroladores é muito esperada pelos alunos, pois neste momento do curso eles terão a oportunidade de rever a linguagem de programação C e de montar protótipos com a plataforma Arduino [4].
A plataforma Arduino é um conjunto de ferramentas de prototipagem de projetos usando microcontroladores que facilita a aprendizagem desses componentes eletrônicos e sua programação, visto que a preocupação com o projeto do hardware para controle deixa de ser um uma barreira inicial à aprendizagem de sistemas embarcados. No Arduino, toda a complexidade de um processo microcontrolado é simplificada para que o aluno possa focar na programação, objeto de maior dificuldade no processo de ensino técnico nesta área.
Para que os alunos pudessem trabalhar com a plataforma Arduino através de um ambiente virtual, e considerando-se também a possibilidade de realizar uma revisão de etapas anteriores do curso de Eletroeletrônica, optou-se pelo uso do laboratório virtual Circuits.io, disponibilizado pela Autodesk [5]. O laboratório Circuits.io é uma ambiente que possibilita a criação, construção e simulação virtual de protótipos eletrônicos, o qual possui uma grande variedade de componentes e também placas da plataforma Arduino. Nesta ferramenta é possível visualizar e organizar o esquemático do circuito construído através da alocação dos componentes no projeto, e ela dispõe de um sistema de simulação que possibilita a programação do Arduino e a execução do projeto de forma virtual, facilitando a correção de eventuais problemas na lógica de programação.
Dentro do laboratório Circuits.io, optou-se pela abordagem do conceito de circuito de pull-up, cuja função principal é garantir que os pinos conectados à ele receberão nível alto de tensão (tensão de 5V no Arduino) e assim configurar o valor lógico recebido como 1. O circuito proposto aos alunos na plataforma virtual Circuits.io incluiu componentes que atuavam em conjunto com o pull-up, permitindo que o valor lógico do pino fosse alterado pelo operador.
O desenvolvimento das atividades propostas com o laboratório virtual na disciplina de Microcontroladores foi dividido em três momentos, tendo ocorrido ao longo de quatro encontros (totalizando 16 horas-aula). O primeiro momento foi dedicado à realização de um pré-teste para avaliar os conhecimentos adquiridos pelos alunos durante as três primeiras etapas do curso. No segundo momento, os alunos realizaram um estudo dirigido para revisão de conceitos sobre resistores pull-up e pull-down; para tanto, eles tiveram acesso a um tutorial criado especialmente para esta atividade, e o estudo dirigido recebeu algumas intervenções do professor-mediador. Finalmente, o terceiro momento foi reservado para aplicação de um teste a fim de verificar o que foi assimilado durante o desenvolvimento da tarefa com o laboratório virtual.
O PRÉ-TESTE
O pré-teste consistiu na aplicação de um questionário com dez perguntas referentes a conceitos gerais sobre lógica combinacional, circuitos eletrônicos e conceitos de automação. Cerca de 40 alunos responderam às questões propostas de maneira online através da ferramenta Google Forms. Do total de dez questões, duas eram abertas (dissertativas) para viabilizar a análise da capacidade de escrita de cada aluno e também para que cada um pudesse, se necessário, expressar conhecimentos de eletrônica não abordados nas demais questões fechadas (múltipla-escolha).
No contexto da eletrônica dedicada à montagem de circuitos e identificação de componentes de um processo, as respostas dos alunos ao pré-teste foram consideradas satisfatórias de modo geral. Algumas respostas, no entanto, revelaram que os alunos mantinham um entendimento errôneo em relação às funções de resistores pull-up e pull-down, ou seja, o papel de cada resistor no circuito estava invertido. Por exemplo, na pergunta sobre o efeito de um resistor pull-up, somente metade das respostas dadas estavam corretas, informando que neste caso o pino conectado resistor receberia os 5V e seria representado pelo nível lógico alto enquanto o botão não fosse pressionado, como pode ser visto na Figura 1.

Figura 1 - Respostas dos alunos sobre a função de resistores pull-up.
As respostas às questões sobre laços de controle e comandos condicionais, por sua vez, revelaram dúvidas ainda presentes sobre comandos básicos de programação. A Figura 2 apresenta os dados obtidos sobre o reconhecimento de instruções condicionais na linguagem C, onde pode-se ver que apenas 45% dos alunos havia consolidado o conceito de instruções condicionais, indicando como resposta correta a alternativa referida ao comando "if".

Figura 2 - Questão do pré-teste relacionada a estruturas condicionais na linguagem de programação C
Ainda no que diz respeito à lógica de programação e linguagem estruturada C, foi realizada a seguinte pergunta: "Quando um laço while é encerrado?" (vide Figura 3). As respostas desta questão corroboram a constatação de que alguns conceitos de programação estruturada e lógica de programação não estão claros para a maioria dos alunos respondentes. Nesta questão a resposta correta seria “quando a condição se torna verdadeira”.

Figura 3 - Questão realizada no pré-teste relacionada a conceitos de lógica de programação
ESTUDO DIRIGIDO
O Tutorial abordou basicamente os conceitos de resistores pull-up e pull-down e o esquemático (desenho do circuito) utilizado quando esses resistores são aplicados em projetos. Além disso, os alunos puderam seguir no tutorial um passo-a-passo de como utilizar o laboratório virtual Circuits.io. O resultado final obtido após os alunos completarem o passo-a-passo sugerido no tutorial pode ser visualizado a seguir.
O estudo dirigido (registrado na Figura 4) foi realizado logo após a aplicação do pré-teste. Nesse momento, os alunos também puderam conversar e tirar dúvidas com o professor-monitor da disciplina sobre as questões do pré-teste. Após o esclarecimento das dúvidas e após a conclusão da montagem do circuito proposto no tutorial, os alunos assistiram uma breve apresentação sobre microcontroladores e o uso da plataforma Arduino. Tal apresentação contemplou uma introdução da disciplina de microcontroladores e da programação que seria utilizada nos projetos da disciplina. O laboratório virtual Circuits.io também foi utilizado nesse momento para montagem de circuitos utilizando motores DC.

Figura 4 - Alunos da quarta etapa do curso de Eletroeletrônica realizando o estudo dirigido
PÓS-TESTE
Uma nova avaliação foi realizada duas semanas após a aplicação do uso do laboratório virtual Circuits.io com a finalidade de verificar a eficácia desta abordagem pedagógica no contexto da disciplina. Essa avaliação teve o mesmo formato do teste inicial (duas perguntas abertas e oito fechadas) e também foi realizada através da ferramenta Google Forms. As questões eram diferentes, porém de teor semelhante (abordavam o mesmo conteúdo). Devido a falta de alguns alunos ou durante o laboratório ou durante a realização deste pós-teste, 21 alunos foram os alunos que responderam esse novo teste.
A análise das respostas obtidas na segunda avaliação permite concluir que a atividade desenvolvida com o laboratório virtual contribuiu para um melhor entendimento dos conceitos abordados, inclusive no que diz respeito à lógica combinacional. Na resposta à questão dedicada ao conteúdo que havia sido implementado durante o laboratório com a ferramenta Circuits.io, a maioria dos alunos conseguiu desenvolver uma argumentação consistente para explicar o funcionamento do circuito, utilizando para tanto os conceitos abordados de maneira correta. Quanto às dificuldades apresentadas no pré-teste sobre lógica de programação, 62% dos alunos conseguiram interpretar corretamente o código presente na Figura 5. Isso foi verificado nas respostas à pergunta exibida na Figura 6, o que permite concluir que houve um entendimento melhor por parte dos alunos a partir da atividade prática com o laboratório virtual.

Na plataforma Arduino a linguagem de programação utilizada é a linguagem Wiring, uma linguagem baseada em C que apresenta funções simplificadas para controle de pinos analógicos, digitais e também aqueles com suporte a modulação de banda (PWM). Existe portanto, uma pequena diferença entre a programação utilizando a linguagem C e Wiring (que também facilita a declaração dos pinos). Quando questionados sobre esta diferença (vide Figura 7), os alunos, em geral, souberam diferenciar as duas linguagem, indicando que assimilaram os conceitos corretamente.

Figura 7 - Pergunta abordando a diferença entre a simplificação da linguagem C pela linguagem Writing
VALIDAÇÃO DO USO DO LABORATÓRIO VIRTUAL
A eficácia da estratégia pedagógica adotada na disciplina de Microcontroladores através do uso do laboratório virtual foi avaliada pela análise comparada do desempenho dos alunos no “pré-teste” e no “pós-teste”, figura 8. Isso foi realizado pela aplicação do teste estatístico não-paramétrico conhecido como teste de Wilcoxon para amostras pareadas cujos dados foram obtidos em momentos distintos (antes e depois), pois a literatura indica que este é o método mais adequado ao tipo de pesquisa educacional proposta [6, 7].

Figura 8 - Comparação do desempenho dos alunos no “pré-teste” e no “pós-teste”
A escolha do teste de Wilcoxon pareado se justifica pelo fato de ele adotar uma abordagem comparativa para a análise dos dados (sendo que essa análise é interna e pode ser realizada em uma amostra pequena), além de admitir a rejeição da hipótese testada. Se a hipótese nula levantada for rejeitada, isso significa que houve diferenças significativas entre as populações avaliadas na situação “antes” em relação à situação “depois”. Esse julgamento pode ser realizado seguindo-se os procedimentos para um “teste de postos de sinais de Wilcoxon” [8]. Nesse caso, assume-se que o teste de postos de Wilcoxon é um teste bicaudal com α=0.05 e a partir disso, de acordo com o tamanho da amostra (n), pode-se determinar um valor crítico W. O valor de estatística de teste Ws, por sua vez, deve ser menor ou igual a W para que a hipótese nula seja rejeitada.
A hipótese nula que se desejou testar foi a de que o nível de acertos de cada aluno nos testes seria o mesmo antes e após a intervenção didática com o uso do laboratório virtual na disciplina de Microcontroladores. Neste trabalho, os cálculos estatísticos foram realizados com o emprego do programa livre de estatística R [9]. Os resultados encontrados para o teste Wilcoxon pareado no programa R podem ser vistos na Figura 9, onde a variável "antes" se refere ao desempenho de cada aluno no pré-teste, enquanto a variável "depois" reporta os resultados da avaliação feita no pós-teste.

Figura 9 - Aplicação do teste de Wilcoxon com o Projeto-R
Na figura 9, o valor V representa o somatório dos postos positivos, enquanto o valor p representa a probabilidade de a hipótese testada ser nula. Uma vez que, considerando-se um teste bicaudal, “quanto menor o valor p do teste, mais evidência há para se rejeitar a hipótese nula” [8], o resultado encontrado p=0.0001145 indica que provavelmente a hipótese nula é falsa.
Assumindo então que α=0.05 e que a amostra obtida apresenta n=21, o valor crítico adotado corresponde a W=59. Os dados obtidos nesta investigação resultaram em um valor de estatística de teste Ws=9. Portanto, uma vez que Ws<W, a hipótese nula foi rejeitada. Desta forma, concluímos que a utilização do laboratório virtual circuits.io representou uma abordagem pedagógica satisfatória para a consolidação de conhecimentos necessários ao bom desempenho dos alunos para a programação de circuitos com microcontroladores, conforme a proposta da disciplina de Microcontroladores.
REFERÊNCIAS
[1] BURKETT, S.L. et al. Introducing creativity in a design laboratory for a freshman level Electrical and Computer Engineering course. American Journal of Engineering Education, v. 5, n.1, 2014, p. 11-26.
[2] ALHALABI, B. et al. Virtual labs vs. remote labs: between myth & reality. In: 7th Florida Higher Education Consortium Statewide Conference. Deerfield Beach, 1998.
[3] CHATURVERDI, S. et al. Engineering laboratory instruction in virtual environment - “eLIVE”. Advances in Engineering Education, 2011, p. 1-24.
[4] ARDUINO. 2016. Disponível em <https://www.arduino.cc/>. Acesso em: 19 set. 2016.
[5] AUTODESK CIRCUITS. 2016. Disponível em <https://circuits.io/>. Acesso em: 19 set. 2016.
[6] ARAÚJO, P.C.; IGLIORI, S.B.C.Engenharia didática como uma estatística não-paramétrica. Caderno de Física da UEFS, v. 7, n. 1 e 2, p. 133-142, 2009.
[7] ARAÚJO, P.C.; IGLIORI, S.B.C. O método na pesquisa em educação matemática. In: Anais do V Seminário Internacional de Pesquisa em Educação Matemática. Petrópolis, 2012.
[8] LARSON, R. e FARBER, B. Estatística aplicada. 4. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2010. 638 p.
[9] THE R FOUNDATION. The R Project for Statistical Computing. Disponível em <https://www.r-project.org/>. Acesso em: 19 set. 2016.
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